Foto de Aluísio Moreira
Xangô, inegável marca de nossa gente!
Os cultos de matrizes africanas em Pernambuco têm seu primeiro registro oficial de 10 de junho 1780, onde o Conde de Pavoline, governador da Província pede sugestões ao Rei de Portugal de como combater essas manifestações dos “Pretos da Costa”. Esta era uma das preocupações dos governantes, já que nosso estado era um dos grandes importadores de mão de obra e tecnologia negra, o que veio colaborar para que o Brasil tenha hoje um dos maiores contingentes de negros e negras do mundo (sendo Recife a terceira capital do país), ficando atrás da Nigéria, país que com sua cultura e tradição também deixou marcas profundas em nossa identidade social, cultural e religiosa, sobre tudo no culto Nagô, ou Nagô Egbá, chamado e conhecido também como “Xangô pernambucano”.
A religião Yorubana uma das mais antigas do mundo, tem sua cosmovisão centrada na dinâmica do àsè – a força vital, elemento responsável pela existência e toda sua dinâmica, regida e controlada por Esú, Òrìsà primogênito, criação do próprio Olórùn, o Deus supremo yorùbá.
Em Pernambuco, estas religiões africanas começaram a se organizar enquanto Terreiros provavelmente na segunda metade do século XIX, tendo em Sàngó uma divindade de grande devoção e prática litúrgica. Oba Ogodò (Rei Ogodò, àquele que quebra o pilão, um dos nomes de Sàngó em Pernambuco) foi um dos primeiros a serem cultuados. Foi trazido da Nigéria pelos antepassados de Vivina Rodrigues Braga – Iyá Iná (mãe/senhora do fogo), conhecida como Tia Sinhá, que nasceu em Recife em 17 de dezembro de 1874, com sua família veio também o culto aos antepassados que juntamente com Ignês Joaquina da Costa – Ifátinuké, fundadora do mais antigo Terreiro em funcionamento do Recife, o Ilé Iyemonjá Ògúnté, mais conhecido como Sítio de Pai Adão, na Estrada Velha de Água Fria, estabeleceram as bases do culto denominado “Xangô Pernambucano”, com contribuição de renomados sacerdotes como Rodolfo Martins de Andrade- Bángbósè Obitikó (Bamboxê- àquele que carrega/segura o machado duplo de Sàngó o Oxê), Martiniano Eliseu do Bonfim- Ojé L’adé (figurativamente: o [Ojé- sacerdote do culto Égúngún] coroado, ou da coroa real) entre outros.
Imbrincado com a identidade do conceito de justiça, Sàngó fortaleceu mais ainda o culto negro pernambucano, já que ele é o ancestral divinizado pelos seus méritos e conquistas a favor de seu povo. A vaidade, o poder, a força masculina, o princípio da organização político-social e belicosa, justiça e a voracidade amorosa/sexual, compõem algumas de suas principais características, somatizando em seus filhos também parte fundamental de sua personalidade. Seus elementos são o fogo, o trovão e o raio, suas cores votivas são o vermelho e o branco e sua comida ritual predileta é o àmàlà (quiabada com rabada, azeite de dendê e outros condimentos). Suas datas comemorativas são o dia 6 de Reis em janeiro e o período do São João, em junho, especialmente no dia 24 dedicado ao Santo católico.
Devido ao longo processo de discriminação, inculturação e repressão estabelecidos pelas religiões judaico-cristãs e apoiadas pelo Estado conservador racista, o sincretismo foi necessário à sobrevivência desta cultura ancestral. O culto à São João Batista já carregado de elementos pagãos impostos pelo catolicismo popular, como por exemplo a fogueira junina que veio a ser um álibi perfeito para a difusão do culto de Sàngó, que também “é” sincretizado com São João Batista além de São Jerônimo e São Pedro. Um desses importantes momentos é a tradicional procissão do Acorda Povo que acontece anualmente na madrugada do dia 23/06. Hoje no bairro de Areias (RPA 5.2) se mantém a mais de 70 anos, um dos mais antigos de Recife, criado por Adalgisa Marques de Almeida, filha de Sàngó, nascida em 1899, sacerdotisa assídua da Casa das Tias do Pátio do Terço e do Sitio de Pai Adão.
A construção de políticas públicas direcionadas as religiões de matrizes africanas e afro indígenas, vem respeitando a diferença dos povos, culturas, gêneros e buscando a equidade socioeconômica e uma maior inclusão social dos afros descendentes e indígenas, afim de reparar todos os danos causados com a criminalização e marginalização da cultura e do negro brasileiro.
E para entendermos o mundo a partir de referenciais próprios de nossa ancestralidade afrodescendente, temos em Sàngó o elemento apropriado para discutirmos e inspirarmo-nos em seus feitos mítico-históricos e todo seu axé de justiça pela libertação de nosso povo, liberdade esta que ainda é um bem por vir.
Os Yorùbás nos deixaram esse forte legado. Hoje, Ele é um patrimônio de Recife e do estado de Pernambuco. O Culto a Sàngó (Xangô) que empresta seu nome aos rituais gerais de Matriz Africana em nosso Estado é um forte reconhecimento a esta inegável marca da nossa gente.
Kíní ba, kíní ba, àrá won pè – (Poderoso Senhor que racha o pilão e oculta-se)
Kíní ba, o sérée alado àwúre – (Que impõe os raios e os chama de volta, abençoe-nos).
Kawó-Kabiyèsílé – (Venha ver o Rei descer sobre a terra) – Sua saudação em todos os terreiros do Brasil!
João Monteiro - Omo Sangó Aduban, Juremeiro
Historiador, especialista em Preservação de Acervos
Alexandre L'Omi L'Odò - Omo Osún e Juremeiro
Graduando em História, pesquisador, produtor e gestor cultural
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