quinta-feira, 17 de maio de 2012

S.O.S Mestra Jardecilha - Allandra/PB

A Jurema Sagrada ainda não consta no livro de registro de patrimônio imaterial do Brasil? São mais de 500 anos de historia, sendo a Jurema de Matriz indígena e tendo incorporado valores africanos e cristãos ao longo desse período, as politicas governamentais, ainda não programaram politicas afirmativas e inclusivas para proteção da Jurema em todo nordeste, a exemplo do suposto tombamento do Acaes feito pelo Instituto do Patrimônio histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP em novembro de 2010, onde um simples comunicado para os supostos atuais proprietários do Acaes, até o momento não foi feito por não identificarem o atual proprietário, a atual politica de patrimônio cultural imaterial do Brasil esta foi pautada a partir das cartas patrimoniais elaboradas pela UNESCO depois de inúmeras discursões em vários países do mundo. Na Paraíba a efetivação dessas politicas ficam mais complicada quando o estados perde sua laicidade e dar espaço a intolerância e a falta de respeito a diversidade religiosa.

Atualmente um dos últimos exemplares de Templo tradicional de Jurema esta sendo vítima de intolerância de seguimentos neopentecostais e descaso das instituições governamentais, sabemos que nosso povo sempre foi vítima de discriminações e que o estado sempre foi conivente, porém estamos vivendo novos paradigmas que vislumbram uma reparação histórica aos povos de Terreiros, temos outro grande problema a enfrentar, a falta de articulação e organização e ausência de uma discursão politico teológica  que nos deixa mais reféns e vulneráveis aos ataques de organizações judaico-cristãs.

Conforme informações a me repassadas por João Paulino, neto legitimo da Mestra Jardecilha também conhecida por Zefa de Tiíno, como registrou o Professor Ms Sandro Guimarães em sua obra, À Sombra da Jurema Encantada;
Nascida no município de Alhandra – PB, no dia 11 de junho de 1934, aos cinco anos de idade começou o contato com entidades da jurema aos nove anos já tinha o controle do sua mediunidade, e começou a consultar sozinha, afilhada da Mestra Maria do Acais, que no seu batizado, no mesmo ano de seu nascimento, afirmou que ela seria uma grande Mestra de Alhandra, só que não estaria viva para presenciar o fato. Maria do Acaes viera há falecer três anos depois. Seu pai João Pedro era cabeça de mesa de Maria do Acais, entendendo assim a proximidade da escolha da comadre.

Cabeça de mesa é aquele Mestre ou Mestra que auxilia e coordena as ritualísticas de Jurema de Mesa e sempre é uma pessoa de extrema confiança da Mestra dirigente.

Mestra Jardecilha começou a consultar na casa de seus pais, ainda criança, pois eles temiam a perseguição que os juremeiros sofriam, portanto a mestra não podia dar toques, para não chamar a atenção dos perseguidores no caso, a Policia.

Vale salientar que na Paraíba a perseguição durante o estado novo deixou marcas profundas nas religiões de Matriz africana e afroindigena.

Aos 16 anos de idade a mestra Jardecilha casou com João Paulino de Souza, saindo então de casa dos pais para morar em sua própria casa porem vizinha a casa dos seus pais (nas terras que se encontra sua cidade de jurema) teve 14 filhos sendo que biológicos se encontra apenas uma filha, Severina Paulino (Nina) que reside na mesma casa da mestra e que cuida da cidade de jurema mantendo-a ativa até os dias de hoje, e outra filha adotiva que nada faz pela cidade.

Assim que casou a mestra Jardecilha continuou consultando porem agora em sua casa, no governo de João Agripino foi liberado e reconhecido o direito dos cultos afro-indígenas na Paraíba no ano de 1966, porém no ano seguinte, em 1967 a mestra começou a dar os torés de caboclos no terreiro de sua casa, os torés de caboclos eram feitos apenas com as maracás, a mestra Jardecilha foi a primeira mestra de Alhandra a começar a realizá-los com introdução dos elús, grande sinal de originalidade e distinção.


A Mestra foi certamente protagonista nas reelaborações e contribui assim para a Umbandização da Jurema na Paraíba,

A vida da mestra Jardecilha foi dedicada inteiramente ao culto da jurema dos 9 anos até os 54, idade de seu falecimento, ela realizou inúmeros trabalhos de curas, principal atribuição dada a Jardecilha, conhecida popularmente como “TIA ZEFA”, também muito caridosa tinha sua casa sempre cheia de gente,nunca teve horário pra atender, seja de manhã, de madrugada, a tarde ela sempre estava disponível pra atender de simples consultas a casos de emergência, muito por precisarem de seus trabalhos e muitos por necessidade de fome, e favores, conhecida também como mãe da pobreza tia zefa ou mestra Jardecilha, dava refeições aos necessitados, fazia casamentos, providenciava velórios, quando os parentes não tinham condições, muitos pessoas a tomaram como madrinhas de seus filhos por terem seguro a festas e os custos, sendo assim não se espanta saber que a mestra Jardecilha morreu com mais de 600 afilhados apenas de batismos católicos, não contabilizando os seus afilhados de jurema.

A influência de Mestra Jardecilha pode ser comparado a de Maria Acaes e sua liderança e poder de articulação são merecedoras de estudos acadêmicos ainda não realizados. O sentimento de dupla pertença é uma das marcas dos grandes mestres Juremeiros.

Além de juremeira, a mestra Jardecilha também era muito católica, durante 39 anos ela realizava procissões devido a promessas, no mês de janeiro a São Sebastião, junho do Senhor São João Batista e em Dezembro da Virgem da Conceição, de quem era devota, com as procissões, ela mobilizava junto a igreja multidões de pessoas da cidade e dos municípios vizinhos. No ápice de sua mediunidade, a mestra Jardecilha já era muito conhecida, em 1973 foi convidada pelo então presidente da federação Carlos Leal para  assumir a diretoria da Federação Espírita dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba onde se ficou até sua morte.

Durante muitos anos a jurema em Alhandra foi alvo de muitos olhares, a Mestra Jardecilha, Mestre Inácio, Mestre Biu Toré, Mestre Zé Quati, Mestre Flósculo, Mestre Zezinho do Acais, Mestre Adauto, Mestre Cesário e Mestra Damiana, valorizaram o culto da jurema de uma forma avassaladora.

Na década de 70 a mestra Jardecilha recebeu em seu terreiro a BBC de Londres, que realizou um trabalho de forma acentuada sobre os cultos da Jurema no nordeste brasileiro.

Houve um reconhecimento internacional que precisa ser retomando afim de identificar e fortalecer essa tradição.

A mãe da mestra Jardecilha deu um terreno a ela assim que casou, onde construiu sua casa, e ergueu sua cidade de jurema e firmou seu cruzeiro, seu salão era nos fundo de sua casa até o ano de 87 quando construiu de forma mais confortável seu templo.

Como relata o professor Ms. Sandro Guimarães a cidade da Mestra Jardecilha foi Plantada no contexto da Umbanda, e é composta de jurema-preta e jurema-branca e é o mais novo dos Santuários de Alhandra entre eles os pés de Jurema do Mestre Manoel Cadete, Mestre José da Paz e o do Mestre Bom Floral, além do da própria Mestra Jardecilha que plantou sua cidade seguindo as tradições dos Mestres de Alhandra pouco antes de falecer.

No ano de 2009 familiares que são contra o culto fizeram a partilha definitiva dos lotes, manobrando os limites de forma que a jurema do mestre major do dia ficasse fora do lote, A proprietária do lote em que erroneamente se encontrava a jurema ameaçou cortá-la, junta a todos conseguimos comprá-la judicialmente por 4.000,00.

Com a morte do marido da mestra Jardecilha, os herdeiros querem acordos absurdos, na esperança de aniquilarem definitivamente a cidade de jurema, começaram a invasão imprópria do bem, cortando recentemente 3 pés de juremas, a cidade de jurema hoje contem nove pés, um templo as firmações dos exus e dos pretos velhos e o cruzeiro mestre, a uma reunião no mês passado ao IPHAEP, recebemos as informações que a saída de melhor resultado seria o tombamento do valor material e imaterial da cidade de jurema, mas que precisaríamos de mais apoio, pra que o órgão se conscientize de que a cidade tem valor não só pra nós que moramos aqui e sim pra todos os da religião.

As quantias são irrisórias, as partes opostas apresentaram uma avaliação de 200.000,00 sendo repartidas em partes iguais por volta de 67.000,00 não levando em consideração os beneficio e benfeitorias feitas por nós desde que a casa e o templo foram feitos já que ninguém mais teve a posse dele depois que a mestra Jardecilha morreu. A vizinha ainda deseja 7m da profundidade, comprometendo a jurema de mestre Manoel cadete e a firmação dos exus.

Enfim faz-se necessário uma tomada de atitude para de fato salvarmos essa relíquia da Jurema e as entidades que fomentam ações afirmativas sejam no âmbito da academia ou do movimento social precisam de fato tomar uma atitude para que o tombamento ou reconhecimento como patrimônio imaterial da Paraíba e do Brasil sejam de fato uma realidade.

João Monteiro
Historiador, Especialista em Preservação de Acervos Gráficos
Membro da coordenação do QCM

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